Por que o barulho de alguém mastigando pode ser tão irritante.
Os ruídos do vizinho de cinema abrindo um pacote de balas, o barulho de alguém mastigando ou mesmo a simples respiração de uma pessoa sentada atrás no ônibus podem tirar pessoas do sério, deixando-as enfurecidas. Essas pessoas têm misofonia – uma condição que, agora, a ciência verificou realmente produzir distúrbios na atividade cerebral. Um estudo publicado em fevereiro de 2017 na revista “Current Biology” mostra que a misofonia, além de ser verificável na atividade cerebral, pode aumentar os batimentos cardíacos e a produção de suor. Ou seja, o incômodo de quem sente uma espécie de alergia a determinados sons do cotidiano não é uma frescura. É um problema real.
Tem que ser comum. E tem que ser repetido
A palavra misofonia descreve bem a condição: trata-se do ódio ou aversão (miso) ao som (fonia). Mas o que torna a misofonia particular é que não são quaisquer sons que desencadeiam a irritação e às vezes até pânico em quem ouve: são sons comuns e repetidos. Esses sons funcionam como gatilhos de uma reação incontrolável. O outro nome para a misofonia é Síndrome de Sensibilidade Seletiva a Sons. A misofonia é diferente da hiperacusia (quando o indivíduo se incomoda com o volume alto de um som, especialmente agudo). Os seguintes sons são alguns dos descritos como gatilhos da misofonia:
- mastigação de comida ou chiclete
- tomar sopa ruidosamente
- pigarro
- respiração fungada
- clique de caneta
- digitação de teclado
- tique-taque de relógio
- assobio
- ou pé batendo no chão
Ainda não há critérios médicos definidos para o diagnóstico da condição, mas, a partir de relatos de quem sofre com a misofonia, sabe-se que ela ocorre quando os “sons-gatilho” são produzidos por outra pessoa, não pelo próprio misofônico. Um artigo publicado na revista on-line Slate, em 2015, conta como a condição da misofonia é muitas vezes vista com ceticismo por médicos e psicólogos, o que faz muitas das pessoas buscarem o diagnóstico em fóruns da internet. Uma reportagem na TV Globo em 2014 reuniu relatos de pessoas que dizem ter misofonia. Aos poucos, as pesquisas sobre a enfermidade, que, para este grupo de pesquisadores holandeses, deveria ser tratada como um transtorno psiquiátrico, vêm aumentando. Foi apenas a partir dos anos 2000 que começaram a aparecer mais estudos sobre o assunto.
Como foi feita a pesquisa sobre a atividade cerebral
O estudo publicado na “Current Biology” foi feito por cientistas do Instituto de Neurociência da Universidade de Newcastle. Eles submeteram 20 pessoas com misofonia e 22 sem a condição a ouvir três tipos de som:
- sons neutros, como chuva, um café lotado ou o barulho de água fervendo
- sons incômodos para a maioria das pessoas, como um bebê chorando, uma pessoa gritando
- sons considerados gatilhos, como mastigação ou respiração
Enquanto escutavam, os participantes do experimento tinham seus cérebros monitorados por ressonância magnética. A análise das imagens das ressonâncias mostrou que, nas pessoas com misofonia, a parte do cérebro responsável por fazer a ligação entre nossas sensações e emoções (o lobo da ínsula, ou o córtex insular anterior) tinha uma atividade muito maior do que nas pessoas que não relatavam ter misofonia. Nos indivíduos com misofonia notou-se também a aceleração dos batimentos cardíacos e aumento da secreção de suor. “Eu mesmo estava entre os céticos da comunidade científica até que vimos pacientes na clínica e entendemos como os sintomas que descreviam eram parecidos”, disse Tim Griffiths, um dos autores do estudo, em um comunicado da Universidade de Newcastle. O professor diz esperar que essa nova pesquisa assegure quem sofre de misofonia de que sua condição não é invenção. O líder da pesquisa Kumar Sukhbinder diz que, com a publicação do estudo, abrem-se novas frentes para o tratamento da misofonia – que poderia vir da identificação do padrão sonoro dos “sons-gatilho”.