O insuperável pudim de leite

Os portugueses já se consideraram os pais do pudim de leite. Achavam que a sobremesa descendia da doçaria conventual desenvolvida no país a partir do século XVI.

Hoje, seus autores gastronômicos confessam ignorar quando e onde o doce surgiu. “Descobrimos que não conseguimos fixar no tempo nem no lugar o aparecimento do pudim de leite”, diz o cronista trasmontano Virgílio Gomes. A única convicção dos portugueses é a de que eles ensinaram os brasileiros a fazer o doce.

Desde o final da Idade Média seu país é rico em sobremesas à base de leite. Só no Livro de Cozinha da Infanta D. Maria, baseado em manuscrito do século XVI, redigido pela neta de d. Manuel I que se casou com o 3º duque de Parma e Piacenza, há sete tipos. Segundo Virgílio Gomes, três poderiam ser pudins, caso fossem enformados e desenformados. Mas a técnica era desconhecida na época.

A palavra pudim veio do inglês pudding. Em Portugal e no Brasil indica uma preparação de consistência cremosa ou moderadamente sólida, temperada com açúcar ou sal, feita em banho-maria. Leva farinha de trigo ou de outro cereal, leite ou seu creme, ovo, pão, laranja, queijo, sardinha, bacalhau, atum, galinha ou vitela. Quando doce, costuma ter uma calda. É vocábulo incorporado tardiamente a nossa língua. Teria estreado no manuscrito do Padre Joaquim Cardoso e Brito, da primeira metade do século 19, publicado com o título de Doces e Manjares do Século XIX (Editora Fora do Texto, Coimbra, 1995). O autor difundiu três versões do “podim” de leite.
É doce com variações em Portugal. A escritora gastronômica Maria de Lourdes Modesto publica três receitas regionais no best-seller Cozinha Tradicional Portuguesa (Editorial Verbo, Lisboa/São Paulo, 1989): pudim de leite da Beira Baixa, pudim de coalhada dos Açores e pudim flan (o mesmo que de leite) da Estremadura. Entretanto, o mais elegante do clã foi lançado em 1947 pela confeiteira do restaurante Cozinha Velha, que funciona no antigo Palácio de Queluz, perto de Lisboa, onde nasceu e morreu nosso imperador d. Pedro I.

Chama-se pudim marfim e na sua elaboração dois litros de leite são levados ao fogo para reduzir pela metade, com meio quilo de açúcar e uma fava de baunilha; quando a mistura esfria, juntam-se 14 gemas e se cozinha lentamente em banho-maria; serve-se coberto por açúcar queimado com ferro quente ou maçarico; acompanham fios de ovos.
No Brasil, O Cozinheiro Imperial, de 1840, primeiro livro de cozinha editado no País, trouxe uma receita de pudim de nata. Mas o doce que hoje preparamos é sobretudo elaborado com leite condensado. Raramente se respeita a fórmula original. Poucos discutem essa heterodoxia. Questiona-se apenas se o pudim tem ou não furinhos… Ao incorporar o leite condensado, o doce sofreu uma simplificação. Não há mais necessidade de redução do líquido. Basta misturar uma lata de leite condensado com duas de leite, acrescentar três ovos, bater no liquidificador e despejar tudo em uma fôrma coberta com papel-alumínio; então, leva-se ao forno médio, em banho-maria, por cerca de 1 hora e 30 minutos; a seguir, o pudim vai à geladeira por 6 horas, antes de ser desenformado.

Fica gostoso? Claro que sim. Mas o sabor estandardizante do leite condensado predomina no doce, como tudo que o incorpora. Os adeptos do seu uso contra-atacam: o pudim se torna mais espesso e untuoso, argumentam. Não poderia ser diferente. O leite condensado é feito com leite integral, ou seja, gordo, entulhado de açúcar, algo em torno de 50%. Cada latinha de 395g tem 1.283 calorias e equivale à ingestão de cerca de oito hambúrgueres de calabresa; ou 9 latas de cerveja de 350 ml; ou 12 coxas de frango assadas com a pele. Não adianta insistir: a receita portuguesa, especialmente a do pudim marfim, continua insuperável em sua consistência macia e sabor delicado.

 

Fonte: www.historiadaalimentacao.ufpr.br