Aparelho trouxe praticidade ao agitado ritmo de vida da época

Era o início da década de 1930 e a vida nos centros urbanos brasileiros começava a ficar barulhenta. O som de rádios, sirenas e alto-falantes fazia coro com o ruído das buzinas, das vozes dos camelôs e do arrastar dos bondes elétricos. “Eram máquinas e tudo nas cidades era só máquina”, registrou o poeta Mário de Andrade (1893-1945). De fato, o desenvolvimento tecnológico e o avanço da indústria mobilizaram mudanças de hábito radicais, dentro e fora dos lares.

“O fogão a gás foi a maior inovação dos anos 30 no que diz respeito aos assuntos da alimentação”, avalia Sandro Dias, professor de história da gastronomia do Senac.

Com esse e outros aparelhos elétricos à disposição, as donas de casa passaram a economizar tempo, fator importante para o novo e agitado ritmo de vida da época. “Comparado aos fogões a lenha, os novos modelos a gás trouxeram praticidade. Por outro lado, a cozinha deixou de ser um elemento importante no convívio familiar. Elas eram pequenas e quase sempre relegadas à parte dos fundos das casas”, explica Dias.

Livros e enciclopédias indicam que as geladeiras também começavam a aparecer nos idos de 1930, mas era item de luxo, assim como a água potável. Boa parte da população ainda conservava os alimentos a partir de técnicas de salga e cozimentos.

Para além da vida privada, as mudanças na esfera pública corriam a olhos vistos. “O trabalhador não conseguia mais voltar para casa na hora do almoço, por isso muitos lugares passaram a servir comida caseira em botecos e lanchonetes que beiravam as fábricas”, conta o professor.

Ao que tudo indica, teria nascido daí, portanto, o esquema de “prato do dia” ou “prato executivo”, já que os almoços precisavam ser preparados de forma rápida e ao gosto da variada clientela de imigrantes. A pressa da vida urbana transformou também o hábito do cafezinho. Antes servido nas mesas, a partir dos anos 30 ele passa a ser consumido “em pé”, no balcão, mediante ficha comprada no caixa.

Em São Paulo, começavam a despontar as casas de sotaque italiano como a Castelões, inaugurada em 1924 e até hoje em funcionamento. E como solucionar a distribuição de alimentos para a crescente população urbana de São Paulo? A resposta veio com a criação, em 1933, do Mercado Municipal, por obra do engenheiro Xavier de Toledo.

No Rio de Janeiro, os botequins eram opções baratas para se comer bife a cavalo, filé Osvaldo Aranha e feijoada. De outro lado, a classe mais abastada continuava a frequentar salões de chá e confeitarias, como a Colombo, além de restaurantes instalados em hotéis suntuosos, a exemplo do Copacabana Palace. “É nessa época que os cardápios começam a revelar expressões francesas ligadas à gastronomia, como à la carte e bufê. Era o modelo de cozinha francesa que pautava as mesas burguesas”, registra a obra Gastronomia no Brasil e no Mundo, de Guta Chaves e Dolores Freixa.

Pelo mundo: turismo, culinária regional e o Guia Michelin

Na Europa, as primeiras leis trabalhistas foram instituídas no fim do século 19 e início do 20. Operários passaram a ter direito a descanso semanal, redução de jornada e férias remuneradas. Assim, tornou-se possível vislumbrar uma vida mais prazerosa, que incluía viagens – um marco para as cozinhas regionais e o turismo gastronômico.

Não à toa, é nessa época que o famoso Guia Michelin, criado em 1900, passa por uma profunda transformação. Até 1926, o conceituado guia francês de gastronomia – que reunia os melhores restaurantes e hotéis da França – não fazia diferenciação qualitativa entre os endereços selecionados.
Isso mudou a partir de 1933, quando a publicação adotou a classificação por estrelas para os estabelecimentos de Paris e do interior.

Nessa época, teve início o trabalho dos temidos inspetores do Guia Michelin, que deveriam fazer visitas incógnitas aos lugares e elencá-los de acordo com critérios estabelecidos. Vale anotar que a edição histórica de 1933 deu a 23 restaurantes a pontuação máxima de três estrelas.

 

 

Fonte: ultimosegundo.ig.com.br