Carboidrato, glúten, sal: eles não são vilões

Nos últimos anos, o glúten, a lactose e as gorduras, em especial, parecem estar na berlinda. Dizem que são inflamatórios. Incham. Provocam estufamento. Atrapalham a perda de peso. Todo esse apelo fez com que muitas famílias cortassem ou reduzissem o consumo dentro de casa, trocando o pão pela tapioca, banindo massas e arroz ou deixando de lado leites e queijos. “Hoje, por conta de modismos, algumas pessoas fazem um verdadeiro terrorismo à mesa. Mas não há por que estabelecer restrições alimentares para crianças que não têm intolerância ou alergia”, explica a nutricionista Elaine Cristina Rocha de Pádua, autora do livro O que Tem no Prato do Seu Filho?

Se, para os adultos, excluir certos alimentos traz sérios impactos ao organismo, desde deficiência nutricional até o famoso “efeito sanfona”, para as crianças pode prejudicar o desenvolvimento físico e cognitivo, além de marcar profundamente a forma como os seus hábitos alimentares serão sedimentados. Uma pesquisa realizada pela Universidade de Aston, no Reino Unido, com crianças de 3 a 5 anos, revelou que aquelas cujos pais tentavam controlar mais sua alimentação apresentaram maior tendência a desenvolver uma relação emocional com a comida, buscando alimentos não por fome, mas por estresse ou tristeza.

Além disso, toda vez que se corta algum grupo alimentar, a dieta imediatamente fica desequilibrada. “A exclusão é um erro nutricional, que vai apresentar consequências para a criança no futuro”, alerta o pediatra e nutrólogo Ary Lopes Cardoso, chefe da unidade de nutrologia do Instituto da Criança (SP). Por isso, mesmo nos casos de obesidade infantil ou de crianças com problemas de saúde, como colesterol alto e diabetes, raramente os pediatras eliminam uma categoria inteira de alimentos. Apenas cuidam da qualidade e das quantidades dos nutrientes consumidos.

Entenda por que carboidratos, gorduras, sal, glúten e leite são, sim, importantes na dieta do seu filho, e veja como aproveitá-los da melhor forma.

 No grupo dos carboidratos estão incluídos pães, massas, grãos, que são a base da nossa alimentação, e também o açúcar – ou seja, os doces. São eles que fornecem energia ao organismo. Por isso, na maioria das dietas para perder peso, esse é o primeiro grupo cortado. “Não há problema em consumi-los, desde que se controle a frequência e a quantidade. Não dá para comer doce todos os dias”, explica o pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg, do Hospital Infantil Sabará (SP). A recomendação é estabelecer o consumo de frutas como sobremesa e deixar os doces como exceção. “O carboidrato também é fonte de prazer. Comer um pedaço de bolo ou tomar um sorvete no fim de semana não tem problema”, diz. O alerta vermelho é para os açúcares livres, adicionados aos alimentos pela indústria, como sucos de fruta de caixinha, refrigerantes, cereais matinais e bolachas.

Por que é importante: o cérebro das crianças precisa de, pelo menos, 130 gramas de glicose por dia para funcionar, o que equivale a 1 pão francês + 2 colheres (sopa) de arroz + 1 concha de feijão + 1 copo de suco de laranja + 1 batata média cozida. Adultos precisam de 330 gramas. Principalmente para crianças de até 5 anos, que estão em pleno desenvolvimento, carboidratos são essenciais porque dão a energia que o organismo demanda nos processos de crescimento e na formação do sistema nervoso central.

GLÚTEN

A proteína, presente em grãos como trigo, cevada e centeio, se popularizou como substância inflamatória, que atrapalha a digestão e dificulta a perda de peso. É claro que há casos de intolerância, quando sua ingestão provoca desconfortos, como gases e inchaço. Mas, geralmente, a campanha contra ele está mais ligada à boa forma. “As pessoas emagrecem quando eliminam alimentos com glúten não por causa da retirada dele em si, mas porque deixam de consumir todo um grupo alimentar importante”, explica Elaine. É aí que mora o perigo. Os grãos que contêm a proteína são a nossa principal fonte de carboidratos, que fornecem energia e fibras. Retirá-los da dieta aumenta quase sempre a ingestão de gorduras e diminui a de fibras. Esse foi um dos malefícios de se restringir glúten para crianças apontado em um artigo da pediatra Norelle Reilly, diretora na Divisão de Gastrenterologia Pediátrica e do Centro de Doenças Celíacas da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos: “Os pais, às vezes, colocam os filhos em uma dieta sem glúten na crença de que isso evita a doença celíaca, ou que é uma alternativa saudável, sem fazer exames ou consultar um nutricionista”.

A fisioterapeuta Cristina Franco, 38 anos, foi diagnosticada com doença celíaca há um ano e, desde então, aboliu o glúten das refeições da família, ainda que os filhos, Valentina, 5, e Felipe, 3, não sofram com o problema da mãe. “Fora de casa, eles comem normalmente, já que a restrição é minha, não deles. Acho importante o convívio social e não impor a dieta.” A doença celíaca é uma condição de intolerância permanente ao glúten, que afeta 1% dos adultos e das crianças ao redor do mundo. É a única situação em que a proteína precisa ser completamente retirada da alimentação.

Por que é importante: o glúten como proteína não tem valor biológico para o organismo. Mas os grãos, massas e pães em que ele está presente são fontes de fibra, que regula o trato intestinal, previne doenças inflamatórias, diminui o colesterol e o diabetes, além de dar mais saciedade. A preferência deve ser para alimentos integrais, que,  ao contrário dos refinados, mantêm as fibras, vitaminas e minerais. Cem gramas de arroz branco têm 0,4 g de fibra, enquanto a mesma quantidade do integral tem 1,8 g. Crianças até 2 anos necessitam de 5 g de fibra por dia. A partir do segundo ano de vida, o calculo é 5 g + a idade. Aos 3 anos, por exemplo, são 8 g (5 g + 3).

Fonte: revistacrescer.globo.com