Um pão artesanal, feito a partir da fermentação natural, com alto poder nutricional e que atua para evitar o desencadeamento de sintomas de doenças como a síndrome do intestino irritável e sensibilidade não celíaca ao glúten.
Com sabor e aroma diferenciados, o alimento é um dos resultados da tese de doutorado de Leidiane Andreia Acordi Menezes, orientada por Juliano de Dea Lindner no Programa de Pós-Graduação em Ciência dos Alimentos, “Sourdough biotechnology for improving bread nutritional properties” (que pode ser traduzida como “Biotecnologia da fermentação natural para o melhoramento das propriedades nutricionais de pães”).
A tese foi defendida em março e mostra que, comparado com o pão convencional, o desenvolvido a partir da fermentação natural pode ter até 80% menos de carboidratos desencadeadores das inflamações intestinais citadas. “Daqui para frente, a gente vai ver como isto afeta a parte proteica do pão. Já temos alguns resultados na literatura, de outros pesquisadores, que nos indicam que haverá uma redução na quantidade de glúten e uma diferença nas propriedades nutricionais do pão também com relação à proteína. O que a gente tem de resultado, por enquanto, é com relação a estes carboidratos”, explica Leidiane, que completa: “Enquanto um pão convencional tem alta concentração desses carboidratos, o pão de fermento natural que desenvolvemos possui quantidades muito menores, podendo ser consumido sem que os sintomas das inflamações intestinais apareçam. Nosso objetivo é que o pão de fermentação natural possa ser uma opção saborosa e nutritiva para pessoas que não possam consumir o pão convencional”.
Os carboidratos conhecidos como FODMAPs (sigla do inglês Fermentable, oligosaccharides, disaccharides, monosaccharides and polyols) são oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis fermentáveis que provocam problemas digestivos em determinadas pessoas. Estes distúrbios provocam sintomas intestinais (inchaço, mudança de hábito intestinal – diarreia ou constipação, dores abdominais) e não intestinais (dor de cabeça, cansaço, fadiga problemas de pele, entre outros).
A tendência, acredita Leidiane, é que este tipo de pão com a fermentação natural pesquisada, seja uma alternativa para as pessoas portadoras destas condições. “Nossa publicação é a primeira testando a fermentação natural para reduzir estes carboidratos. Sabemos que uma dieta com uma menor quantidade destes carboidratos é melhor para quem tem estas doenças. Aqui no Brasil existem produtos ‘sem glúten’ e ‘sem lactose’ no rótulo”, afirma a pesquisadora, lembrando que o mesmo pode acontecer com os FODMAPs.
O grupo liderado por Lindner está avançando nos estudos relacionados à fermentação natural. “Estamos dando outro passo que é, em vez de ter essa fermentação feita artesanalmente, preparar um fermento mirado para a produção desses pães com uma microbiota controlada, ou seja, a partir de microrganismos benéficos encontrados no trabalho da Leidiane”, aponta o professor. Uma das frentes é a da orientanda de graduação Nataly Neves, que trabalha na seleção de microrganismos direcionados para diminuição de FODMAPs; já outro aluno de graduação irá pesquisar os melhores processos e tecnologias de secagem para que as características de aroma sejam preservadas.
Até o final do ano, a expectativa é ter concluído os trabalhos que irão se somar ao doutorado de Leidiane e desenvolver um produto seco, que possa chegar ao mercado, para que as pessoas possam comprar esse fermento e fazer, tanto nas suas casas, como industrialmente. A entrada no mercado poderá ser através de uma start up de um aluno do grupo ou por um processo de transferência tecnologia para a indústria, comenta Lindner.
O pão de fermentação natural, assinala Leidiane, é feita há mais de quatro mil anos com farinha e água, só que este processo é demorado. “Queremos evitar que as pessoas precisem ficar esperando dias, oferecendo um fermento natural que possa chegar à casa da pessoa ou na indústria na forma de pó, e ela possa adicionar farinha de trigo e água para que em seis horas o pão esteja pronto”. O fermento seria comercializado para facilitar a “produção de um pão aromático, ácido, e com todos os benefícios nutricionais apresentados”, conta a pesquisadora.
Os fermentos disponíveis normalmente no mercado têm como funcionalidade apenas o crescimento da massa, sem o acréscimo da qualidade nutricional pesquisada. “O pão de fermentação natural tem maior quantidade de minerais biodisponíveis por causa da ação do fermento, que também facilita na hora de nosso organismo digerir a proteína e é capaz de produzir algumas vitaminas. São benefícios nutricionais de todas as frentes”, diz a pesquisadora.
Leidiane compara o pão francês com as cervejas mais populares e o pão de fermentação natural com as artesanais: “A cerveja já passou por este processo: as pessoas cada vez mais vão buscar por um pão assim, mais preocupadas em comer não só por comer, mas por outros benefícios, um pão que seja melhor quanto às características nutricionais. A cerveja artesanal custa mais caro, mas tem um sabor melhor, bebe-se menos e com mais qualidade”.
Hoje algumas panificadoras já trabalham com pão de fermentação natural, mas ainda está longe de chegar perto do que ocorre na Europa, por exemplo, onde as pessoas estão habituadas com este tipo de alimento. “Estamos voltando à cultura do pão artesanal. Assim como a cerveja já passou por este processo, a tendência é que se procure o pão com mais qualidade. Para o mercado, o caminho natural é deixar o pão menos ácido, para que as pessoas possam se habituar ao sabor”, avalia Leidiane.
Fonte: https://noticias.ufsc.br